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Aprofundamento
PRECISAMOS
DO LÚDICO
Leonardo Chiodi
17 de outubro de 2020
Temos dito bastante nos canais da Ensaio Lab, que precisamos urgentemente nos reconectar com algumas raízes do passado para poder recriar futuros possíveis. Claro. É necessário ter sabedoria para entender quais tradições, crenças, costumes vamos colocar nessa peneira e quais precisamos simplesmente descartar. Tradição simplesmente por que é tradição não faz sentido.
Mas sim, acredito que o nosso lado humano tem muito a ver com algumas raízes que todos nós deixamos de lado. O nosso foco aqui nessa edição do Passeio é um pouco mais intimista, mas que também se relaciona com culturas inteiras e tradições milenares: a brincadeira.
Brincar é uma forma de linguagem corporal e verbal, que vem de um movimento extremamente interno.
Crianças têm o brincar como principal objetivo dado pela natureza para expressar sua pulsão de vida. O resto, para elas, é aprisionamento.
Quando perdemos essa espontaneidade?
O lúdico é um dos principais recursos que temos para encadear conexões entre o nosso repertório e o novo abraçando o caos.
Nós brasileiros temos, na nossa língua, uma palavra exclusiva para o brincar. Essa é uma diferenciação interessante quando comparamos com o inglês e o espanhol por exemplo, que unem, em uma palavra, vários sentidos. (play = tocar, brincar, jogar, etc.)
Brincar está ligado à liberdade, imprevisibilidade e imaginação. Sua origem, no latim, tem raíz na expressão "vínculo". O que nos leva de volta a essas variações, idas e vindas de conexões externas e internas.
DESDE SEMPRE
Ao invés de incentivarmos a busca pela ludicidade nas nossas ações como instrumento de socialização e criação ao longo de toda a vida, estamos enxergando o movimento contrário, em que até as crianças estão perdendo a capacidade de brincar sem que haja algo pré-moldado para ela simplesmente executar, e isso é perigoso.
Uma pesquisa pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) constatou que 128 crianças que tinham falta de cuidado e pouca interação com outras crianças na hora de brincar apresentaram tamanho reduzido de amígdala e hipocampo — estruturas cerebrais associadas às emoções e à memória — quando comparadas àquelas que foram estimuladas a brincar.
Essa queda de estímulo, que se deve, claro, ao espantoso avanço tecnológico que torna produtos mais sedutores que relações interpessoais, também tem como agentes responsáveis a falta de atenção e apoio dos pais e à despriorização das brincadeiras no ambiente escolar, que, na maioria das vezes está mais preocupado em fazer crianças decorarem fórmulas e respostas prontas do que incentivar a curiosidade, já que somos desenvolvidos neste contexto baseado no ecossistema em que uma pessoa (professor) nos dá uma resposta e que toda pergunta tem - de novo - uma resposta certa, pautada no pensamento lógico. Se tivermos as respostas certas, entramos para a faculdade, que, mesmo inserida em um ambiente acadêmico, acaba reforçando esse modelo.
Após essa etapa, nos formamos como profissionais e o nosso principal objetivo passa a ser o de dar respostas.
Nossos objetivos são validados com os resultados que, dessa forma, são pautados na performance, medida pelas respostas certas que damos para alcançar o sucesso.
Aonde vamos chegar se nós continuarmos crescendo num mundo ligado apenas a dar respostas?
Esse modelo nos leva a uma forma de pensamento fechada, sem busca por outros caminhos e à falta de curiosidade. É um modelo pautado no medo de errar, que solidifica dois principais tipos de bases:
1 - a construção da intolerância ao diferente, o medo do novo;
2 - ansiedade e depressão.
Precisamos transformar essa construção. Segundo o teórico Carl Jung, nossa mente é formada por diversas camadas: a camada do consciente e as camadas do insconsciente. A primeira, superficial, que está totalmente ligada ao padrão de pensamento associado à reprodução de respostas, é limitada e não se relaciona com o inconsciente.
DES(A)PRENDENDO
Chegamos a um ponto em que sentimos a necessidade de escrever um texto "sério" como esse pra reafirmar a importância de algo tão natural e irreverente como o brincar?
Devemos nos desprender da necessidade de simplesmente gerar respostas únicas e voltar a abraçar uma curiosidade quase que primitiva, infantil, que deixamos de lado. Deixar de lado a noção de que tempo livre é perda de tempo.
Vivemos dizendo que precisamos criar, desenhar novas soluções para problemas complexos e mudar paradigmas. E cadê o incentivo ao lúdico nesse processo? Enchemos os olhos nos números apresentados, mas esquecemos o que realmente leva até eles.
O processo do design, por mais que seja apoiado por um vasto arcabouço teórico e científico, traz uma abordagem artística e lúdica no desenvolvimento de soluções, por isso é tão dinâmico e, muitas vezes, no meio do caos, nos divertimos.
Ciência não é resposta nem conclusão, é conhecimento em progresso.
E brincar faz parte disso. Não é sobre nostalgia. É sobre expressão.
Mas agora temos uma provocação pra te fazer no próximo Pico.
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