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Audiocase

O TEMPO

E A BATATA

Pedro Piovan

12 de dezembro de 2020

Image by Heather Zabriskie

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O Tempo e a BatataPedro Piovan
00:00 / 10:09

[TIM MAIA]

"Nós estamos aí, cara. Tem pessoas que morrem com 90 anos e são realmente jovens, tem uns que morrem com 25, 37, mas não são realmente jovens. O que tem de jovem velho, cara, não tá no gibi. O ser humano nasce maravilho e fica chato, volta a ser maravilhoso, fica chato, volta a ser maravilhoso e depois fica chaaaato..."

[PEDRO PIOVAN]

Eu tendo a achar que a gente é meio careta. Tendo a achar que nós, pessoas urbanas, que moramos em centros urbanos, ou até que vivem no cenário digital (que não deixa de ser uma expressão dessa urbanidade); estamos muito acostumados com essa "correria do dia a dia", né. Essa expressão que parece um fantasma que fica perseguindo a gente nos corredores da nossa vida.

E a gente está sempre muito preocupado em fazer, entregar, ir para a próxima tarefa e acaba tendo só uma referência do que que é o tempo. Que é aquele tempo cronológico do relógio, que é medido com base em segundos, minutos, horas e dias.

Hoje eu quero explorar com vocês uma outra forma de olhar para o tempo.

[VINHETA]

[PEDRO PIOVAN]

Eu imagino que você já deve ter visto aqui, durante toda a edição do Passeio, que a gente vem tentando trabalhar com outras referências do tempo, inclusive pra ficar com um modelo de vida um pouco mais amplo e diverso... E a gente poder conviver em vários tempos ao mesmo tempo.

Hoje eu quero explorar com você um tempo um pouco diferente, que é o tempo da batata.

Vamos lá, eu vou explicar: pra falar a verdade eu não sou um grande conhecedor ou especialista de batata. Mas, pra ser sincero, eu nem preciso ser pra falar sobre esse prisma que eu estou querendo trazer pra gente.

A história é a seguinte: há alguns meses, eu precisava esfriar um pouco a minha cabeça de leituras muito técnicas, eu tendo a ser uma pessoa que gosta de ler sobre coisas muito práticas, objetivas e tangíveis, então eu pedi para a minha companheira me recomendar um livro que fosse de ficção e ela me recomendou este livro, que se chama "Uma nova chance para o Sr. Doubler".

Esse é um livro muito interessante. Porque ele conta a jornada de um senhor (o Sr. Doubler) - eu prometo que não vou dar muitos spoilers - que planta batata. É isso o que ele faz. Ele tem uma fazenda e planta batata.

Ele faz aquilo o dia todo, sua vida inteira, a mesma rotina. Mas o Sr. Doubler tem uma coisa interessante: ele não trabalhar pra vender muita batata. Ele trabalha pra chegar em uma espécie única desse tubérculo. Ele trabalha para que ele deixe uma batata para o mundo que realmente importe, que realmente faça sentido. O Sr. Doubler trabalha para deixar um legado, muito mais do que produzir uma escala imensa de batatas, para que as pessoas consumam a batata que ele produz, na sua fazenda

E é isso que eu acho interessante no Sr. Doubler e é algo que a gente pode explorar junto aqui. Assim como a inovação, a gente não quer criar algo para que aquilo se esgote, enquanto a gente estiver vivo. A gente inova para que a gente quer deixar algo de extremo valor para que as pessoas construam em cima. E não para que as pessoas já consumam tudo aquilo e aquilo perca a vida. A gente tende a inovar porque a gente quer que aquilo seja nutrido de vida e possibilidades de existência.

A gente quer inovar para que alguém pegue isso que a gente criou e aplique em outros contextos, de diferentes formas e busque outras maneiras - que inclusive a gente não pensou - de direcionar aquilo. Eu tendo a entender que a inovação é uma forma de a gente expressar o que deseja para o mundo, ou para a nossa comunidade. Mas não no sentido de a gente esgotar as funções e as possibilidades que aquilo que estamos criando tem. Se não, seria uma inovação muito entrópica, concorda comigo? Seria uma inovação que se esgota por si só.

O que queremos com a inovação é que, a partir do momento que a gente crie isso, que a gente dê a luz a isso que estamos pensando, que isso ganhe cada vez mais vida. Que as pessoas possam levar isso, se apropriar isso (num sentido positivo) e crescer em cima disso.

 

Afinal, imagina se a batata que o Sr. Doubler cria, possibilita com que outras pessoas possam usufruie dela, pegar sua fórmula e melhora-la, incrementa-la.

Eu tendo a entender que a missão do Sr. Doubler - muito mais do que escalar uma batata, mas deixar um legado - é muito próxima à missão que nós, como designer, temos. Que é facilitar o dia a dia das pessoas que estão à nossa volta, com algo que possa gerar mais vida, mais possibilidades de existência. E claro: isso pede um outro modelo de tempo, que não é o modelo de tempo que a gente utiliza cronologicamente.

Isso pede um semear, um plantar, que a gente cuide das nossas batatas.

Existe aquela tese que diz que "nada se cria, tudo se copia". Eu nunca comprei muito. Eu tendo a partir para outro caminho: tudo se cria, a partir do que já foi criado (e não necessariamente pela cópia). Quando a gente olha por esse prisma, a gente compreende que criamos a partir do legado dos outros, de quem veio antes.

Eu acho que o Sr. Doubler faz uma coisa muito interessante. Com o legado dos anteriores, ele busca deixar um legado para os próximos a vir. Então, eu venho aqui sugerir uma coisa muito simples: Por que será que a gente não pode interromper um pouco desse ciclo de esgotamento e se  permitir viver em um tempo diferente? Um tempo que propicie o legado e não o cansaço.

Um tempo que permita com que, o que a gente criar sirva para alguém utilizar esse legado. E não necessariamente fecharmos um cerco e falarmos "Isso aqui é nosso e a gente vai escalar, explorar o máximo que isso pode dar para a gente". Eu acho que se formos para um caminho de um outro tempo, que nos leve a produzir legado, podemos ter um mundo diferente e pode ter um modelo de vida bem mais próximo do que desejamos viver, do que necessariamente ter um mundo que queremos esgotar as possibilidades daquilo que criamos.

É um mundo muito mais possibilitador, dinâmico, diverso das possibilidades que a criação pode tomar e ficar algo maior que o criador. Eu quis trazer essa reflexão que tive lendo este livro, que eu recomendo muito pra você ler. Vale muito à pena.

​É isso, pessoal! Espero que eu tenha te incentivado a plantar seus tubérculos na sua casa e se não, espero que eu tenha pelo menos ajudado a pensar sobre seu legado e como a gente se aproveita das inovações que cria. Espero te ver em breve, um abraço.

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