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Provocações
A METALINGUAGEM
MAIS DIFÍCIL
Nalu Tomba
30 de junho de 2021
Ok. Este vai ser um trabalho metalinguístico bem capcioso.
O pico “Provocações”, como você já deve ter percebido, é um compilado de “e se…?” - cada edição de um tema diferente, com raciocínios diferentes, com intensidades e objetivos diferentes.
Mas, é, sobretudo, um compilado de “e se…?”
E, cá entre nós: dada as devidas proporções, o que são as teorias da conspiração se não um gigantesco (ou um compilado de) “e se…?”
Então lá vai uma teoria da conspiração sobre as teorias da conspiração. Brincadeira, não vou fazer isso. Mas vou levantar alguns “e se…?” importantes para não cairmos em armadilhas.
Se está na internet…
Como basicamente toda e qualquer dinâmica foi afetada na Era Digital, não seria diferente com as conspirações.
No entanto, a ironia está na ordem dos fatores: se antes, no início dos anos 2000, ouvíamos dos nossos pais e professores para não acreditarmos em literalmente nada que estivesse on-line, hoje temos presidentes eleitos por estratégias de envio de fake news pelo WhatsApp.
Quero voltar um pouquinho no tempo, mais precisamente em janeiro de 2017.
Anualmente, o Departamento responsável pela produção e elaboração do dicionário de Oxford (Oxford Dictionaries) elege a palavra do ano para a língua inglesa. A de 2016 foi “pós-verdade” (“post-truth”).
A Oxford Dictionaries definiu o termo eleito como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
Apesar da pouca popularidade nos outros segmentos, o uso da palavra cresceu 2.000% naquele ano, principalmente nos universos político e jornalístico. Em 1992, o dramaturgo sérvio Steve Tesich estreou o termo com o significado que tem hoje, no entanto, não é à toa que esse pico no uso da expressão se deu em 2016.
“Pós-verdade”, analogamente, é o que eu descrevi nos parágrafos anteriores. “Não acredite em nada que está na internet”, “Não confie em ninguém do mundo virtual”, “Não clique nesse site, não acesse aquele outro”, eles disseram. Mas muitos não o fizeram.
“Se está na internet... É porque é verídico!”, dizem os mesmos que tanto duvidaram anteriormente - afinal, eles receberam no grupo do zap.
Quantas notícias via WhatsApp chegam até nós ratificando a prisão de políticos, divulgando a aprovação de dezenas de leis na calada da noite, revelando, até, que o Papa Francisco, a representação da paz e bondade mundial, apoiou a candidatura de Donald Trump!? E o número de compartilhamentos, curtidas e encaminhamentos da mentira multiplica-se de maneira que o boato (a teoria) acaba se tornando fato.
As fontes responsáveis pela produção das inverdades diárias que recebemos estão tomando tamanho poder que se tornam tão (ou até “mais”) oficiais quanto os periódicos ou institutos que desmentem tais inverdades.
Os acadêmicos acreditam que “as mentiras fizeram parte de uma bem sucedida estratégia de apelar a preconceitos e radicalizar posicionamentos do eleitorado”, ou seja, os boatos noticiosos despertam ódio ou adoração às figuras públicas (majoritariamente políticas), porque funcionam como uma versão “caricaturizada” da sociedade.
Com esses exageros, a sociedade sustenta-se cada vez mais em apenas dois pilares opostos: um do bem e outro do mal. A humanidade é, por natureza, complexa, precisa ser complexa e só se mantém viva por conta da complexidade. A dualidade em predominância vai acabar conosco.
A forma como esses factoides são divulgados agrava ainda mais o cenário: se antes achamos um absurdo o feed de notícias das redes sociais mais populares funcionar de maneira a priorizar conteúdos com os quais você mais se identifica (então, se você curtiu o “fato” de o Papa Francisco se dizer a favor de Trump, mais factoides sobre o Trump irão aparecer para você curtir, e isso tudo parecerá muito legítimo), imagina se soubéssemos exatamente o que as plataformas digitais fazem com nossos dados. Há uma frase no documentário “O Dilema das Redes” que sintetiza o que vivemos: Se você não está pagando por um produto, é sinal de que o produto é você.
Ok, você me pegou: posso estar conspirando agora mesmo.
Acontece que, por mais que nos interessemos pelas mais diversas teorias da conspiração - desde as mais viáveis, porém veladas, até as mais populares, como a de que a cantora de rock Avril Lavigne está morta e foi substituída há muitos anos - a Era Digital não nos deixa parar por aí, a Era Digital não divide as informações em caixinhas como “verdades”, “fake news”, “teorias da conspiração”. Esse dever é nosso.
(Cito especificamente essa teoria da Avril porque a notícia, tão absurda, chegou tão longe e alcançou tantos adeptos à crença, que a própria cantora já precisou se manifestar várias vezes sobre e ainda há muitas, muitas pessoas que acreditam piamente na teoria. É só dar um Google. Estamos há mais de 10 anos constantemente cultivando e produzindo conteúdo sobre o assunto).
Somos todos jornalistas?
O dever de apuração e checagem de fatos transcendeu a barreira do jornalismo e hoje paira sobre a nossa rotina. Em um momento de tantas inverdades, todos nós precisamos nos inspirar nos jornalistas (aqueles de verdade, combinado?), pelo menos para duvidar do que lemos e só passar para frente se for provado verdade.
Hoje, a tão prejudicada imprensa tradicional opta muito mais pela verdade crua e não pelo imediatismo da divulgação - muito menos pela apelação emocional baixa e ardilosa que as mensagens do zapzap trazem.
E se…
Voltando às teorias da conspiração, podemos combinar que, sim, é uma delícia conspirar, ouvir teorias malucas e até mesmo acreditar em ideias sem evidências - desde que nada disso interfira em sua noção social e humanidade.
Digo isso porque deixamos chegar a um ponto em que a Teoria da Terra Plana voltou a ser tratada com seriedade. Gente. Terra Plana. 2021. E, não é que eu esteja sugerindo alguma coisa, mas as fontes terraplanistas convergem com as de presidentes eleitos através de fake news que infectaram tantos WhatsApps que pareceu até mesmo uma… Pandemia…
Provocações.
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