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Aprofundamento
QUANTO
TEMPO?
Leonardo Chiodi
12 de dezembro de 2020
Você já parou para pensar em como o tempo passou esse ano?
Melhor: você já chegou a conversar com alguém sobre como o tempo passou esse ano?
Pra mim foi uma grande mistura de percepções. Ao mesmo tempo que, para mim, os meses passaram mais rápido do que eu imaginava que passariam, tanta coisa aconteceu neste ano que, quando eu começo a lembrar, parece que caberiam uns 3 anos dentro de 2020.
Por exemplo: em março nasceu meu primeiro sobrinho, mas neste meio tempo tanta coisa aconteceu no mundo e em nossas vidas que, quando tento lembrar do dia em que ele nasceu, sinto que foi ano passado ou retrasado (mas ele continua tendo 9 meses de vida).
Com você é assim também?
Por que isso acontece?
Nietzsche defendia uma visão filosófica criada por Gottfried Leibniz chamada Perspectivismo. Assim como o relativismo, essa corrente defende que cada indivíduo percebe a realidade de forma diferente. Porém, essas duas teorias divergem quando uma diz que existem diversas realidades (relativismo) e a outra diz que há apenas uma (perspectivismo), sendo que o que muda dentro desta é a percepção e perspectiva de cada um.
As duas visões, mesmo que antagônicas nessa questão, me atraem. Sim, existe uma realidade mais objetiva, nua e crua. Mas não podemos deixar de lado a capacidade que temos de, iniciando pela nossa perspectiva, experiências, ou apenas pelo que nos é apresentado, construirmos a nossa própria realidade e passarmos a viver dentro dela. Isso acontece com ainda mais força quando observamos o comportamento de certas tribos, que parecem viver à de outros grupos ou a essa realidade mais objetiva.
Queremos propor, nesta edição, um convite à reflexão de como anda sua relação com o tempo. Com o aumento de distrações dentro da era da informação, crescimento exponencial de "novas necessidades" exploradas pela publicidade, a redução de times por conta da crise e muitos outros fatores, o tempo - ou a "falta" dele - passou a ser uma das principais causas de ansiedade e depressão.
O tempo sempre foi o mesmo. Temos 24 horas em um dia, 365 dias no ano. Mas dentro dessa ferramenta há uma convenção que dita poder e controle.
O calendário gregoriano (este que utilizamos) tem esse nome por conta do Papa Gregório por conta de um acordo da Igreja com outras grandes instituições que teve uma série de intenções políticas e não naturais. Um exemplo forte é o dos meses de "Julho" e "Agosto", que foram inseridos no calendário em homenagem aos Imperadores Júlio César e César Augustus e, por conta disso, meses como Setembro (que deveria ser o mês 7), outubro (que deveria ser o mês 8) e novembro (que deveria ser o mês 9) foram empurrados para "frente". Os meses de Julho e Agosto têm 31 dias pois, como homenagem aos Imperadores, não "deveriam ter menos dias que os demais", então acabaram retirando dias de outros períodos para dar a eles (por isso meses como fevereiro, por exemplo, tem menos que os outros).
Sempre tratamos o tempo como uma ferramenta. Hoje tratamos o tempo como um problema. Precisamos parar de encarar o tempo sob a perspectiva linear de curto prazo, construída nos últimos anos, em que nos vemos apenas naquela engrenagem em que nascemos, crescemos, estudamos, trabalhamos, constituímos uma família, morremos e essa mesma história se repete geração após geração.
Se não pararmos de pensar dessa forma - com essa visão que nos faz acordar todos os dias, tomar café, ir trabalhar e ir dormir, como se nada acontecesse neste meio tempo, como um mecanismo totalmente automatizado, sem questionar nossa vida a longo prazo - vamos continuar perpetuando uma influência colonizadora imposta em nossa sociedade em que "devemos" dominar e conquistar mais e mais, pensando em objetivos, metas e resultados o tempo todo.
Nós nunca tivemos a oportunidade de escolher a forma que encaramos o tempo e nos organizamos. Estamos encaixados nessa metodologia que nos faz repetir os comportamentos citados acima.
Vivemos um momento em que tudo aquilo que não remete ao ritmo do "progresso" é considerado como atrasado ou obsoleto. Quem define o que é contemporâneo é quem dita o tempo. Essa relação entre temporalidade, regime de poder e dinheiro está nos matando, como refleti com vocês na última edição do Passeio, no texto sobre "Como Chegamos Até Aqui".
Tempo não é dinheiro. Na verdade, essas são duas riquezas bem distintas que estão à nossa disposição, que, quando bem trabalhadas, se definem muito bem em sentimentos de plenitude. Você não se sente muito bem quando tem tempo para cuidar de você ou de seus familiares e amigos?
Se começarmos a estudar como nossos ancestrais se relacionavam com o tempo, percebemos que temos uma visão muito limitada e reduzida de suas dimensões. A Jéssica vai contar pra você, nas Reflexões dessa edição, como isso acontece.
Também teremos uma entrevista com o grande escritor, professor e historiador Luiz Antonio Simas, em que ele vai contar um pouco sobre como estamos assassinando o tempo.
Por fim, no audiocase desta edição, o Pedro vai te contar um pouco sobre as origens da problematização do tempo, que se transformou numa patologização, e como devemos mudar essa visão.
Espero que essa edição possa te dar a possibilidade de novas relações com o tempo, mais autônoma e saudável, com menos ansiedades.
Como disse Tim Maia:
"Pergunte a um gorila em que ano nós estamos. Nós estamos aí, cara..."
Vamos para o próximo Pico?
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