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Provocações

TEMPO. PROGRESSO. MORTE.

FARTURA & VIVA.

Jéssica Piovan

12 de dezembro de 2020

Image by Gaelle Marcel

"Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei

Transformai as velhas formas do viver"

Gilberto Gil - Tempo Rei

 

Tempo não é hora. É espaço. 

E a definição de espaço é abrangente. Pode ser desde a extensão ideal, sem limites, que contém todas as extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis, ou até mesmo o vazio. Vemos o tempo de uma forma endurecida, rígida e inflexível. Só que tempo é destino. O espaço é acidente. Tempo é lógica e espaço é paradoxo.

Gil é pontual em seu tempo: transformai as velhas formas de viver. Se não transformamos nossa relação com o tempo, nós morremos. E a mortandade é algo que ronda o nosso imaginário o tempo inteiro e, partindo do espaço-mundo que vivemos, o externo também exalta a escassez de vida.

 

Vida.

Tempo.

Fartura.

Morte.

Relógio.

Escassez.

 

Desde quando o tempo virou sinônimo de pressa, desordem, dependência e caos em nossas vidas? O texto se inicia pessimista e trágico, mas prometo que ao fim ele traz um sopro de vida. No entanto, é inegável:

 

O tempo virou trauma, pois é inundado com o princípio de morte.

O tempo virou trauma, pois foi aniquilado pela idéia de que tempo é produção.

O tempo virou trauma, pois o ser humano não trata o tempo como algo divino.

 

Quando nos relacionamos de forma morta com o tempo, vivemos na escassez e na falta de vitalidade. Essa falta de vitalidade que nos assombra é resultado da necessidade imensa que temos em relação a produção. Se você finaliza mais um dia de vida cansadx, mortx, exaustx, mas em algum lugar do seu ego você sente que findou todas as suas tarefas, que cumpriu a missão do dia e a sua produção diária, você está oferecendo seu tempo totalmente a aquilo que é externo e não ao que lhe é interno. Pois te digo, isso é o princípio de morte.

E esse princípio de morte se apresenta de forma sisuda, patológica, doente. Ansiedade e depressão são doenças do tempo. O ápice da ansiedade é projetar-se ao futuro de forma não ínfima e que criamos uma cadeia de pensamentos monstruosos que engolem a nossa vida. A prisma aqui da depressão é a falta de afago em um passado tão longínquo, onde não se consegue lidar com perdas e lutos abrasadores para o corpo emocional do indivíduo. Ambas são arquitetadas pela lógica destruidora da produção. Produção essa que nasceu em uma era pós moderna, cheia de sufoco, ironias e incongruências para com aquilo que é vida.

A idéia de progresso contamina o tempo. Progresso para quem? Em nossa subjetividade gigante, cada um olha progresso de acordo com a sua bolha. E veja só, a progressão é pautada no tempo-linear, onde eu possuo um caminho reto a ser cumprido e chego em uma linha de chegada com um troféu, prêmio e dinheiro. E se deslocarmos o nosso pensamento para uma possibilidade de tempo-circular?

Leda Martins nos propõe uma perspectiva de tempo que me é menos patológica. No tempo-espiralar os eventos estão desvestidos de uma ótica linear, estão em perene transformação, onde há a possibilidade de vivenciar o tempo habitando uma temporalidade curvilínea: o que se passa agora, retornará depois. Ele não finda. Ele não morre. Ele apenas prospera. Ele é fartura, pois ele retorna. E ele não retorna como em uma máquina do tempo, ele retorna na humanidade. E aqui é que gostaria de trazer a cultura de síncope, que o professor Luiz Antônio Simas, presente nessa edição com muita reverência nos apresenta uma forma de quebrar o ritmo do tempo linear e nos permitir a entrada em um tempo espiralado.

Parafrasenado o mestre, "a base rítmica do samba é a síncope. E síncope é uma alteração inesperada no ritmo, causada pelo prolongamento de uma nota emitida em tempo fraco sobre um tempo forte. Na prática a síncope rompe com a constância, quebra a sequência previsível e proporciona uma sensação de vazio que logo é preenchida de forma inesperada".

Está aí. É experimentar o vazio. E se nós experimentamos o vazio de forma brincante, inserindo algo inesperado em nosso tempo, nós quebramos a ótica linear e entramos em sua espiral, pois o que se passa agora, pode retornar depois. Mas experimentar o vazio-brincante é necessário.

Ótimo. Mas e na prática?

A prática é subversão. Entre uma reunião e outra: brinque. Entre um problema e outra: dê risada. No seu espaço de almoço: ouse. Sincope. Bata o tambor da vida, pois é espaço de vida, é espaço de transformar. E aqui eu brinco com o limite que colocamos no espaço-tempo. Na prática a síncope rompe com a constância, quebra a sequência previsível e proporciona uma sensação de vazio que logo é preenchida de forma inesperada.

Escrevo para vocês brincando com espaço, no lúdico. Lembre-se, o Espaço é sem limites. Não existe pressa na vida ritualizada de saberes. Tempo pode ser privação de liberdade, mas pode ser também espaço para brincar.

 

 

Axé.

Vamos para o próximo Pico?

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